A última resolução que regula os tratamentos para infertilidade conjugal com a reprodução assistida no Brasil, emitida em 2021 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), trouxe à tona um termo médico mais técnico para definir o estágio em que os embriões obtidos pela FIV (fertilização in vitro) podem ser transferidos para o útero: o embrião euploide.
A atualização revisa as permissões principalmente sobre a quantidade de embriões que podem ser transferidos, além de elucidar melhor quais devem ser os parâmetros para a escolha dos embriões selecionados para a transferência.
Você já ouviu falar no termo embrião euploide? O texto a seguir mostra o que é o embrião euploide e qual seu papel na FIV e no contexto da reprodução humana em geral.
Boa leitura!
Como o embrião se forma?
A estrutura genética das células reprodutivas
Para compreender o que é um embrião euploide é necessário olhar com mais atenção para os a fecundação e seus precedentes, envolvendo principalmente a formação da estrutura genética dos gametas masculinos e femininos.
De forma geral, o DNA de praticamente todas as células do corpo humano é formado por 22 pares de cromossomos autossômicos homólogos (ou seja, que são semelhantes entre si), compartilhados por todos os embriões, e um par de cromossomos sexuais, que variam de acordo com o sexo biológico do embrião em XX (feminino) e XY (masculino).
Os genes que determinam desde as caracterÃsticas fÃsicas dos bebês, até aspectos mais complexos do funcionamento de seus corpos, estão contidos em cada um desses cromossomos.
A exceção a essa regra são as células reprodutivas, que ao passarem por divisões celulares não conservativas para sua formação, têm seu material genético reduzido pela metade: cada par de cromossomos homólogos se divide e cada célula reprodutiva herda um cromossomo de cada par.
Essa dinâmica na gametogênese (processo de formação dos gametas) é fundamental para que, na fecundação, aconteça o pareamento dos cromossomos do óvulo, que encontram seus homólogos nos cromossomos do espermatozoide, formando o DNA do embrião, herdado em parte da mãe e em parte do pai.
Não somente a saúde do futuro bebê está em jogo nesses processos envolvendo a gametogênese e a fecundação, mas também a permanência do embrião no útero e o sucesso da gestação estão diretamente relacionados à estabilidade genética dos embriões.
A fecundação e o desenvolvimento inicial do embrião
Após a ovulação, o óvulo fica disponÃvel para fecundação, nas tubas uterinas, por cerca de 36h. Neste perÃodo, os espermatozoides devem disputar o rompimento da zona pelúcida e a entrada no meio intracelular do óvulo, realizando a fecundação.
Quando isso acontece, a própria zona pelúcida emite sinalizações bioquÃmicas que impedem a entrada de outros espermatozoides, e o material genético dessas células começa a ser preparado para o pareamento. Algumas horas após a fecundação, esse processo chega ao fim e está formado o zigoto – primeira célula do que será, em breve, o embrião.
Ainda nas tubas, o zigoto inicia as clivagens (divisões celulares que conservam a quantidade total de DNA) e entra nos primeiros estágios do desenvolvimento embrionário, durante o transporte para a cavidade uterina, onde realiza a nidação ou implantação embrionária.
A implantação embrionária acontece quando embrião e endométrio se reconhecem mutuamente e a zona pelúcida embrionária se rompe, para que as células do blastocisto – como é chamado o embrião neste momento do desenvolvimento – infiltrem-se no endométrio, dando inÃcio à gestação.
Nesse sentido, a estabilidade e a viabilidade genéticas do embrião são tão fundamentais para a nidação quanto a receptividade do endométrio, estabelecida pela dinâmica hormonal da mulher.
Estes eventos acontecem nos primeiros 5 a 7 dias após a fecundação e, assim como todo o primeiro trimestre de gestação, é um dos perÃodos mais delicados da gravidez.
O que é um embrião euploide?
Chamamos embrião euploide àquele cujo DNA é formado por 22 pares de cromossomos autossômicos homólogos, e um par de cromossomos sexuais, independente da combinação XX ou XY.
Além disso, também incluÃmos como embrião euploide aquele que conserva também a estrutura dos cromossomos herdados, sem alterações
Ou seja, o embrião euploide é aquele que resulta da fecundação de células reprodutivas cujo desenvolvimento foi normal e o pareamento dos cromossomos na fecundação foi adequado.
Diferente do embrião euploide, o embrião aneuploide é aquele que não apresenta essa contagem de cromossomos, podendo manifestar um genótipo com mais ou menos cromossomos do que o embrião euploide.
Algumas aneuploidias envolvem trissomias, ou seja, quando um dos pares de cromossomos, homólogos ou sexuais, é formado por três cromossomos e não dois, como seria o esperado. A sÃndrome de Down e a sÃndrome de Klinefelter são consequências mais conhecidas das trissomias.
Em outros casos, as aneuploidias são monossomias, ou seja, quando um dos pares de cromossomos, homólogos ou sexuais, é formado por um só cromossomo. A sÃndrome de Turner é um exemplo de monossomia, neste caso do cromossomo X.
Outras formas de aneuploidias, incluindo quando cromossomos trocam bases genéticas entre si e na ocorrência de mutações inesperadas, podem resultar em outras sÃndromes, mas também em embriões inviáveis – que podem estar envolvidos em quadros de aborto de repetição.
Aneuploidia e infertilidade
Um dos aspectos na relação entre aneuploidias e a infertilidade conjugal é, como comentamos, a geração de embriões geneticamente inviáveis, que invariavelmente são descartados pelo corpo da mulher, durante a nidação ou nos primeiros três meses de gestação.
Contudo, a infertilidade do casal pode não somente ser consequência da formação de embriões aneuploides, mas também ser justamente a causa por trás das alterações que levam à formação de embriões com contagens alteradas dos cromossomos.
As aneuploidias são resultado da fecundação entre gametas cujos processos de formação, ainda no corpo dos pais, foram falhos e resultaram em células reprodutivas com mais ou menos cromossomos do que o esperado.
As falhas na gametogênese são, em sua maioria, resultado do declÃnio na qualidade dos gametas, que acontece naturalmente com a idade e de forma mais significativa com as mulheres – ainda que, em alguma medida, isso também aconteça com os homens.
Reprodução assistida e o embrião euploide
Entre as técnicas de reprodução assistida disponÃveis atualmente, a FIV é o único conjunto de procedimentos que permite a observação direta dos embriões e do desenvolvimento embrionário, já que a fecundação e o cultivo dos embriões são feitos em laboratório.
Durante o cultivo é possÃvel recolher amostras de tecido embrionário para biópsia, com objetivo de sequenciar o DNA do futuro bebê, em busca de alterações genéticas, como as aneuploidias. Esse processo é realizado pelo PGT (teste genético pré-implantacional) e, nestes casos, normalmente os embriões são congelados para que o exame seja feito, e transferidos nos ciclos posteriores.
Nesse sentido, o PGT busca estabelecer especificamente quais são os embriões euploides, entre aqueles obtidos com a etapa de fecundação da FIV, e que podem ser selecionados para a transferência embrionária.
Como comentamos no inÃcio do texto, a última resolução do CFM sobre a reprodução assistida no Brasil alterou, com base na noção de embrião euploide, alguns aspectos especialmente relacionados à diminuição no limite de embriões que podem ser transferidos para o útero, após a fecundação e cultivo embrionário, na FIV.
Este limite existe principalmente para reduzir as chances de gravidez gemelar ou múltipla (gêmeos, trigêmeos etc.) em decorrência dos tratamentos com a FIV, que são gestações arriscadas tanto para a mulher, como para os bebês.
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